No dia do meu aniversário de 25 anos, decidi me presentear com algo que há muito tempo eu desejava, mas que me faltava aquela coragem: fazer a trilha da pedra da gávea.
Se você é um aventureiro nato e não tem medo nem de subir o Everest, você deve estar se perguntando por que fazer uma trilha poderia ter um significado tão forte para alguém.
No meu caso, não posso dizer que eu era exatamente uma pessoa medrosa. Eu já tinha feito algumas trilhas, já tinha viajado sozinha e já tinha me desafiado de algumas formas tranquilas (ok, algumas nem tanto), mas pouco avassaladoras.
Eu também não sabia exatamente por que queria tanto aquilo. Eu sabia que queria fazer algo grande, diferente. Que queria ver o mundo por uma perspectiva que poucos conseguem ver, mas com os meus próprios olhos.
Eu queria encarar um medo também, o de altura. Quantos medos, mesmo que pareçam insignificantes, não nos impedem de seguirmos o caminho de vida que a gente realmente quer seguir?
Simplesmente decidi que era hora de encarar aquele medo de altura. Embora eu mal soubesse que ia ficar suspensa num cabo de aço a dois mil metros de altura, com o Rio de Janeiro nas costas, e que ia descer de lá por uma rota chamada carinhosamente de Carrasqueira.
Decidida a me presentear com a aventura e ver no que ia dar, chamei uma grande amiga, a Letícia. Mesmo sem saber muito bem do que se tratava, ela sempre foi uma super parceira e adorava fazer algo diferente. É claro que ela ia aceitar. E aceitou.
Acordamos bem cedo, colocamos água e uns sanduíches na mochila, calçamos uns tênis velhos e nos encontramos com um grupo de loucos aventureiros que o nosso guia reuniu. Começamos a caminhada.
A caminhada, em si, não foi o mais desafiador. Apesar dos quase três quilômetros de subida íngreme, o exercício intenso não era tanta novidade e eu sabia que não ia passar muito do corpo e das pernas cansadas. Subíamos, subíamos, subíamos... E ia admirando a vista incrível da cidade lá de cima.
A floresta ia ficando mais perto, a cidade se afastava. Quanto mais longe da civilização, mais próximos ficavam os obstáculos. Subíamos degraus maiores que nossas pernas, agarrávamos nas pedras escorregadias para ter suporte, nos pendurávamos em cordas e às vezes uns nos outros para conseguir chegar ao próximo passo.
Foi difícil, muito difícil. Não posso negar. Minhas pernas tremeram, eu quase perdi o controle delas, e por um momento eu realmente achei que não ia conseguir.
Eu olhava para a Letícia e via no rosto dela: “que buraco você foi meter a gente...”. Por um breve momento, apoiada só com um pé numa pedra gigante, eu achei que não conseguiria levar o outro pé para cima. Me vi literalmente sem chão.
Eu pensava que, no mínimo, poderia me machucar muito feio ali. Mas no fundo eu sabia que aquilo ia me deixar mais forte. E fui.
Chegar no topo foi uma das sensações mais gostosas que já senti na vida. Desabei de chorar, ria e chorava ao mesmo tempo, como costumo fazer em momentos, digamos, desconcertantes. Abracei a Letícia bem forte, abracei o nosso guia... Basicamente abracei todo mundo que eu via na frente.
Eu consegui, eu cheguei! Eu consigo fazer coisas grandes e difíceis. Eu consigo me desafiar. Eu consigo ultrapassar meus medos. Eu consigo fazer o que eu realmente sinto que quero fazer. Minha intuição é forte!
Hoje, olhando pelo retrovisor e vendo meus últimos 5 anos, posso dizer que a trilha foi um divisor de águas.
Depois dessa trilha, decidi de vez que ia pedir demissão de um ótimo trabalho, terminar um namoro que já andava meio torto e que ia fazer uma volta ao mundo sozinha.
Tive coragem de embarcar em cada aventura que mamãe não poderia nem imaginar. Me joguei por inteiro numa viagem transformadora. Não pensei muito em trabalho e no futuro por quase um ano inteiro. Vivi o presente. Me conectei com pessoas incríveis e muito mais aventureiras do que eu pelo caminho.
Fiz um trabalho voluntário e morei dois meses com uma família muçulmana. Fiz um retiro de yoga e meditação num ashram na Índia. Viajei de ônibus noturno pelo Marrocos. Dormi no deserto do Saara. Atravessei a fronteira terrestre entre o Camboja e a Tailândia. Conheci as montanhas e o mar do Vietnã. Subi nos Alpes Suíços.
Passei por lugares incrivelmente lindos que eu nem sabia que existia. Segui muitas dicas de desconhecidos. E também me hospedei na casa de pessoas que não conhecia. Me apaixonei por alguém que fez meu coração sacudir e meu mundo girar. E desapaixonei na mesma proporção.
Fiz algumas (muitas) coisas erradas também, mas sofri, aprendi e sabia que tudo aquilo tinha um sentido muito importante na forma com a qual eu ia ver o mundo dali para frente.
Confiei cada vez mais na minha intuição. Passei a ouvir ainda mais os meus sonhos e desejos. Me policiei (e me policio até hoje) para não sonhar pequeno, para julgar menos, para cuidar mais da minha vida. Afinal, de quem é a responsabilidade de cuidar de mim, não é mesmo?
Logo depois, mudei de cidade por alguns anos, me apaixonei perdidamente por alguém que compartilha os mesmos sonhos comigo (na minha humilde opinião se apaixonar e embarcar numa paixão é uma das maiores aventuras da vida) e finalmente segui para o nomadismo digital, algo que eu sonhava há tanto tempo e onde me encontro hoje.
O que a trilha me ensinou, de fato, é que por mais que a gente se planeje muito, a gente nunca sabe como será o caminho. E que a graça é justamente o caminho: se desafiar, acreditar que dá, confiar na própria força, não desistir, persistir. É sentir o frio na barriga e curtir aquilo, mesmo que as pernas comecem a tremer e você ache que não vai conseguir chegar até o final.
Depois de fazer algo grande, o próximo passo fica mais fácil. As referências mudam, e, nossa... como é bom mudar e ampliar as referências. O mundo é muito grande para ficarmos com a mesma ideia na cabeça a vida toda. Para enxergar o mundo através da mesma janela.
Afinal, desde quando os grandes movimentos da vida são calmos e tranquilos? Desde quando os grandes aprendizados vêm acompanhados de certeza e convicção? Desde quando mares tranquilos fazem bons marinheiros?
Por isso eu digo que a trilha de pedra da gávea foi tão transformadora. É claro que poderia ser um passeio comum, algo simplesmente cansativo fisicamente e zero emoção. Eu investi muita força na trilha sim, sem dúvidas. Eu confiei e fui. Mas a força emocional que ela me trouxe de volta foi imensurável.
A pergunta que fica, e que me faço repetidas vezes, é: será que a gente não deveria fazer mais vezes coisas que nos fazem perder o chão? Será que não vale a pena investir em desafios físicos para alcançar a força emocional que precisamos?
Será que a gente não deveria ouvir ainda mais os chamados do coração e se jogar naquilo que a gente tem muita vontade, mesmo sem saber muito bem o porquê?
Eu sei que ainda não vivi muita coisa nessa vida. Os trinta acabaram de chegar e eu tenho ciência (ainda bem) do grão de areia quase invisível que eu sou no mundo. Mas se eu puder te dar um conselho bem simples, seria: faça algo diferente. Ouça suas vontades e se joga.
A vida é uma só e ela passa voando.
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